Quem viaja pelo trecho norte da BR–174 é pego de surpresa ao se deparar, no Km 100, no local chamado Quarto de Bode, com dezenas de carretas estacionadas que tomaram conta do cenário. Antes uma parada obrigatória para turistas ou viajantes quaisquer descansarem, para provar a tradicional paçoca de carne seca com farinha, agora se tornou um território de caminhões que esperam as ordens para seguir carregadas com alimentos para a Venezuela.
Há muito tempo que as atividades dessas carretas fazem parte do cenário de quem pega a estrada para o Município de Pacaraima, na fronteira venezuelana, ou mesmo para a Serra do Tepequém, o principal ponto turístico do Estado, no Município do Amajari. A quantidade desses caminhões aumentou a partir da crise venezuelana, quando passou a faltar comida no país vizinho.
Mas, nos últimos meses, essa movimentação disparou de uma forma surpreendente. Não se trata apenas de um transporte para garantir alimentos para as cidades venezuelanas em crise, por causa do regime do presidente Nicolás Maduro. Todas as fortes evidências apontam para um frenético movimento destinado a abastecer os garimpos ilegais na fronteira entre Brasil e Venezuela e em cidades mais adentro do país venezuelano.
Pior: são garimpos clandestinos geralmente articulados por membros corruptos da Guarda Venezuelano, a mando do regime de Maduro, que fica com a maior parte do ouro extraído a fim de manter o sistema ditatorial, garimpagens feitas dentro ou próximas de áreas ambientais, que ameaçam a Gran Sabana, com seu frágil ecossistema e o turismo que inclusive era explorado por empresas brasileiras.
O grande volume de alimentos que sai de Roraima e Manaus (AM), pela BR-174, em sua maioria sequer chega à mesa dos venezuelanos, os quais não têm outra alternativa a não ser fugir do seu país, tendo como destino principalmente o Estado de Roraima, porta de entrada desse fluxo migratório para o Brasil e outros países vizinhos.
Conforme as próprias autoridades venezuelanas ligadas à oposição de Nicolás já denunciaram na imprensa local, as cargas são direcionadas para as mãos de agentes corruptos do governo venezuelano, que estão em conluio com empresários do garimpo clandestino na Venezuela.
Inclusive Já foram presos caminhoneiros brasileiros que desviam de suas atividades, os quais foram cooptados para contrabandear principalmente barras de ouro, atividade esta que alimenta a evasão de divisas e o crime organizado ou outros tipos de tráfico na fronteira.
Outra indicação sobre a atuação do crime organizado a partir da Venezuela foi a decisão da Justiça Federal, que acatou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), no dia 8 deste mês, que por sua vez apontou sete pessoas que integrariam um esquema de contrabando de ouro oriundos de garimpos ilegais venezuelanos.
Entre os envolvidos, conforme o MPF, está o presidente do diretório do PSDB em Caracaraí, Paulo José Assis de Souza, município onde o acusado também tem pretensões de minerar ouro. E não custa lembrar que aquela cidade também sedia a operação ilegal de ouro de terras indígenas, especialmente a Terra Indígena Yanomami.
Como se pode perceber, estão aí as explicações para esse crescimento absurdo de carretas estacionadas no Km 100 e em tráfego intenso por toda a rodovia federal, prejudicando a arrecadação com o fluxo turístico, pois os visitantes sequer estão parando mais naquela localidade do Km 100.
Outro grande problema é a deterioração rápida da BR-174, cuja recente operação tapa buraco no trecho norte não foi suficiente para impedir o crescimento espantoso e rápido dos buracos, ficando o prejuízo para os brasileiros pagarem com a recuperação da estrada e os riscos de acidentes ou de veículos pequenos apresentarem defeitos durante as viagens.
Todas as evidências estão bem aos olhos das autoridades brasileiras. Apesar da exportação de alimentos ter provocado superávit na balanço comercial roraimense, os custos são altos para Roraima, pois não ficam apenas as divisas comerciais, mas principalmente a ação de ilícitos na fronteira, com o fortalecimento de organizações criminosas que se alimentam de contrabandos, tráficos e evasões de divisas de toda espécie.
Tem mais: como esse grande volume de comida não está chegando à mesa dos venezuelanos, os estrangeiros continuam migrando em massa para Roraima, que paga todo o ônus desse êxodo descontrolado, diante de um governo brasileiro que não liga para os problemas na região Norte do Brasil.